Três e vinte da
madrugada. O celular toca. O médico demora um pouco para atender. Está cansado.
Na noite anterior realizou uma cirurgia delicada. A enfermeira plantonista
informa que é uma emergência. Às presas ele se veste. Com o barulho, o filho,
de apenas três anos de idade, acorda. Passando as pequenas mãos nos olhos,
pede que o pai o pegue no colo. O cirurgião apenas balança a cabeça
negativamente. Não tem tempo para explicar os motivos. Ademias, ele não entenderia.
A esposa, já acostumada, apenas sorri. Beija-o e deseja boa sorte.
O doutor entra
no carro e sai em disparada. Ultrapassa o limite permitido de velocidade. Quase
se envolve num acidente. Ao adentrar no hospital é agarrado pelos familiares do
doente. Desesperados, pedem todo seu empenho. A enfermeira passa o diagnóstico.
Ele entra na sala de cirurgia. A operação é complicada. Dura aproximadamente
quatro horas, mas o resultado é compensador: o paciente está salvo. O médico
fica mais feliz que a própria família do enfermo.
Retorna para
casa, toma banho, veste-se rapidamente. Beija a testa do filho - já acordado -
e, novamente, sai correndo. Há várias consultas marcadas na clínica. Às 12h,
divide o tempo almoçando, acompanhando os noticiários, conversando com a mulher
e brincando com o filho. Queria ficar mais tempo. Não dá. Às 13h30 tem outra
cirurgia. Depois, precisa visitar os pacientes internados e, por fim, uma
reunião com os colegas.
Já é noite.
Totalmente exausto, liga ao amigo e diz que não irá na partida de futebol,
seguida de churrasco. O amigo protesta. Reclama que é a terceira vez que ele
adia o divertimento. No trajeto para
casa, atende o celular. É sua mãe lembrando que há tempos o filho não ‘manda
notícias’. Diz que está preocupada. O médico, mesmo cansado, recorda-se da
última vez que os visitou.
Chega em casa. A
esposa e o filho o esperam. Ele pensa em jantar fora. A exaustão interrompe a
intenção. O filho diz que no final de semana quer ir ao parque. Ele responde
que não será possível. Motivo: estará de plantão. Quando vai sugerir que o
passeio fique para o outro final de semana, lembra-se que viajará. Vai fazer
mais um curso.
O filho quer
brincar. A esposa pede mais atenção. Os pais exigem notícias. Os amigos cobram
que ele participe dos encontros. Antes de pensar em tudo isso, o médico adormece.
Sequer lhe sobra tempo para pensar no cotidiano.
Essas mal
traçadas linhas são para que tenhamos uma minúscula noção do ‘outro lado’ da
vida do médico. São, também, para compreendemos que, muitas vezes, essa gente
sofre mais do que o próprio paciente.