Quando
surgiu, em meados dos anos 1980, a aids era uma doença ‘exclusiva’ entre
homossexuais e dos grandes centros. O tempo passou. A enfermidade proliferou e
hoje afeta bem mais os heterossexuais. Mas não foi só isso. Das capitais e
grandes cidades migrou para municípios do interior. Não demorou para aparecer
em comunidades agrícolas, até pouco tempo consideradas imunes.
Para
se ter uma ideia, das mais de cem pessoas atendidas pela Regional de Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) do Extremo Oeste, 30 vivem na agricultora. A
resistência em usar preservativo é a responsável pelo índice, considerado
alarmante. Outra questão é que muitos jovens, filhos de agricultores, vão a
cidades maiores, como São Paulo, trabalhar de garçom e acabam se envolvendo com
mulheres infectadas com o vírus HIV.
Mas isso não é só em nossa região.
Ocorre em todo o país. É a nova ‘realidade’ da doença. Para tentar reverter o
quadro, novas campanhas de conscientização estão sendo realizadas tendo como
público alvo agricultores.
AGRICULTOR CONTRAI
HIV NA ZONA DO MERETRÍCIO E CONTAMINA ESPOSA
Um jeito de fanfarrão. Sorriso do rosto,
boa aparência. Nem gordo, nem magro. À primeira vista, um homem cheio de saúde
e de bem com a vida. Quem vê o agricultor Márcio*, 61 anos, nem imagina que ele
é soropositivo. Ninguém faz ideia, também, que ele contaminou a própria
esposa.A história de Márcio* começa em janeiro de 2001. Sentindo-se fraco e sem
apetite procurou um médico. Vários exames foram feitos, mas nada foi detectado.
Como não melhorou, voltou ao hospital três meses depois. Nenhum problema foi
constatado. No entanto, em junho daquele ano, o médico, assustado com a magreza
do paciente - perdeu 21 quilos em seis meses -, resolveu fazer o teste anti-HIV
que deu positivo. “Quando ele me comunicou me passou mil coisas pela cabeça,
desde ir embora para outra cidade até em suicídio”, recorda o agricultor. Mas
mais notícias ruins estavam por vir. O médico solicitou um exame da esposa
dele. O resultado também deu positivo.
Marido e mulher foram encaminhados a
Chapecó. Para ele, o tratamento foi iniciado de forma imediata, porém os
resultados demoraram a chegar. “O efeito começou depois de um mês”, relata o
agricultor, acrescentando que chegou a tomar 11 comprimidos por dia. O produtor
rural, que mora com a mulher e uma filha, afirma que era esclarecido sobre a
aids, mas nunca imaginava que pudesse acontecer com ele.
Na
família, apenas o filho mais velho sabe do problema. Ele acredita que contraiu o
vírus HIV numa relação com uma garota de programa, por meio de sexo oral, em
uma zona de meretrício. “Acho que foi com ela, pois ela morreu por causa da doença”,
comenta.
*nome
fictício
VIDA NORMAL
Atualmente
Márcio leva uma vida normal. Trabalha na lavoura e até joga futebol. O lado
ruim, diz ele, é não saber quanto tempo se terá de vida. Toma dois remédios por
dia que garante não lhe causarem efeitos colaterais. Márcio afirma que tem
muitos amigos. “Porém, se eles descobrirem que tenho aids se afastarão”,
enfatiza. “O preconceito existe e machuca”, acrescenta. “Por isso que não ‘abro
o jogo’ com meus irmãos, parentes e com os meus outros dois filhos”, complementa.
Com seu alto astral, Márcio é o
encarregado de ‘animar’ as outras pessoas do grupo que se encontram uma vez por
mês em São Miguel do Oeste para se consultar. “Quando um novo ‘integrante’
chega para se tratar, explico que no começo parece que o mundo ruiu, mas com o
tempo descobre-se que não”, diz.
SEM PESO NA
CONSIÊNCIA
A mulher de seu Márcio também tem 61 anos. Com um olhar humilde, se percebe, pelas suas mãos calejadas,
que teve uma vida sofrida, consequência de árduos trabalhos na plantação, na
colheita, nos afazeres domésticos e no cuidado com os filhos. Aos 40 anos
descobriu ser diabética. Teve outros revezes. Nenhum, entretanto, como o da
notícia recebida em uma tarde de junho de 2001: mesmo sem nunca ter passado por
uma transfusão de sangue e, principalmente, jamais ter traído o marido, era
portadora do HIV.Ela não quis conceder entrevista. Chegou a se acomodar,
envergonhada, em uma sala ao lado. Então, pergunto a Márcio: como fica à
consciência? “Se ela morrer antes do que eu, devido a aids, vou me sentir
culpado. Caso contrário não”, responde, frio, como que achando normal
contaminar uma pessoa inocente com o vírus. Ele acrescenta que o
relacionamento sofreu ‘uma pequena turbulência’ quando ela descobriu que foi
contaminada por ele. “Hoje tá 10”, gaba-se, sem ter noção da gravidade da
situação e da besteira que fez.
O FUTURO
Márcio diz que não tem muitas ambições
para o futuro. Confessa que depois da enfermidade começou a dar mais valor à
vida, principalmente às pequenas coisas. Relata que quando não tem apetite o
medo aparece. “Meu temor é que a doença se agrave”, diz. O segredo, ensina o
agricultor, é viver um dia de cada vez, como, aliás, todos deveriam fazer e não
esperar para tomar a decisão após que algo desagradável aconteça. O
otimismo de Márcio também é notado quando ele conversa com os que descobriram ser
portadores há pouco tempo. “Os remédios são eficazes e a cura está próxima. O
negócio é levantar a cabeça”, aconselha.