O Transtorno Afetivo Bipolar é o que mais induz ao suicídio
O médico psiquiatra Jason Silva assegura que, se fizer o tratamento adequado, a pessoa bipolar pode levar uma vida absolutamente normal
A partir desta edição, o Jornal Imagem abordará uma vez por mês, por meio de entrevistas e reportagens, patologias psíquicas, enfocando principalmente os transtornos pouco conhecidos da população e, que muitas vezes, suscitam avaliações erradas e preconceitos. Cita-se, por exemplo, a Somatização, Transtorno Delirante, Fuga Dissociativa, Psicose, Síndrome de Estocolmo, Síndrome de Borderline e inúmeras outras.
Este novo conteúdo foi idealizado pelo jornalista, colunista e acadêmico de Direito Roger Brunetto, responsável também pelas entrevistas e produção das reportagens.
Nesta edição, o tema abordado é o Transtorno Afetivo Bipolar, uma patologia imensamente mais complexa do que a grande maioria imagina. O entrevistado é o médico psiquiatra Jason Silva. Ele revela muitas questões ignoradas da doença, tratamento e peculiaridades da enfermidade, além de explicar o motivo de ser uma das mais difíceis de ser diagnosticada e de figurar entre as mais graves, estando entre as que mais causam sofrimento.
Roger Brunetto - O que é o Transtorno Afetivo Bipolar?
Jason Silva - É uma alteração neuroquímica que faz com que o paciente tenha uma série de comportamentos. Muitos pensam erroneamente que a pessoa tem determinados comportamentos de maneira proposital.
Roger Brunetto - O portador de bipolaridade tem consciência da doença?
Jason Silva - Não. Ele se considera normal, vive nos extremos. Como dizem popularmente, no oito ou oitenta.
Roger Brunetto - O bipolar vive em dois polos? Quais são?
Jason Silva - Sim. A fase maníaca, que é a fase exagerada ou acelerada, o pensamento é rápido. Geralmente começa várias coisas e não termina nenhuma. Exemplos: inicia amizades, mas não as mantêm; as trocas de relacionamentos são constantes, entre outros sintomas. Nesta fase da doença, sente-se muito disposto, como se estivesse dirigindo um carro a 200 km/h. Tal velocidade proporciona adrenalina, bem-estar. O paciente dispensa as medicações porque elas estabilizam suas emoções, deixando-o desacelerado. Já na fase depressiva, o paciente ‘se tranca’, não quer ver ou falar com ninguém. Nesta fase é quando a grande maioria das pessoas procura tratamento ou recebe o diagnóstico de depressão de maneira incorreta.
Roger Brunetto - Qual das fases é a mais perigosa?
Jason Silva - Ambas. A fase maníaca por que ele se expõe demais, correndo riscos, além de sentir uma espécie de ‘superpoder’. O filme Mr. Jones ilustra bem isso. No entanto, a fase depressiva pode acarretar muitas perdas ao paciente.
Roger Brunetto - Em relação a essa questão, o indicie de suicídio é grande entre os portadores de bipolaridade?
Jason Silva - Se não tratada, entre as patologias mentais é a que mais registra suicídios. Supera, inclusive, a depressão.
Roger Brunetto - Como se chega ao diagnóstico? Já que, como o senhor mesmo disse, a grande maioria só procura ajuda quando está na fase depressiva?
Jason Silva - O diagnóstico é difícil. Uma pergunta importante é se a pessoa varia muito de humor. Relatos de familiares e colegas de trabalho e com quem o bipolar convive diariamente auxiliam muito. Outra característica é que são pessoas diferenciadas, muito inteligentes, que se destacam em suas profissões e, por isso, chamam atenção. A maioria das grandes personalidades, ao longo da história, era bipolar.
Roger Brunetto - Existem graduações? Uns são mais bipolares e outros menos ou todos são iguais?
Jason Silva - Cada caso é um caso. Há pacientes bipolares que nunca pensaram em suicídio ou jamais foram agressivos.
Roger Brunetto - Digamos que um bipolar viva mais intensamente na fase maníaca, não chegará um dia que haverá um desgaste?
Jason Silva - Sim. Com o tempo há o desgaste. É como usar gasolina azul em um fusca. Funcionará bem por algum tempo, porém, o motor inevitavelmente fundirá. É um desgaste neuroquímico.
Roger Brunetto - Os bipolares aceitam facilmente a enfermidade?
Jason Silva - Com o tempo eles se conscientizam devido às perdas de todos os tipos que tiveram por causa das oscilações extremas de humor.
Roger Brunetto - Quando a internação é necessária na vida de um bipolar?
Jason Silva - A internação psiquiátrica, independente da enfermidade, é necessária quando o doente está colocando em risco a sua vida ou a de terceiros. Só nesses casos. Quando não está colocando em risco a sua integridade física e psíquica ou de terceiros, não há necessidade.
Roger Brunetto - Qual o tratamento para quem for diagnosticado com Transtorno Afetivo Bipolar?
Jason Silva - Repito: cada caso é um caso. Mas, em geral, são os estabilizadores de humor.
Roger Brunetto - Uma pessoa bipolar pode ter outras enfermidades mentais?
Jason Silva - Sim. A bipolaridade não poupa o paciente de outras doenças.
Roger Brunetto - Há como estabilizar o Transtorno Afetivo Bipolar ou a doença só evolui?
Jason Silva - Se fizer o tratamento, o paciente bipolar pode levar uma vida absolutamente normal. O tratamento consiste em visitas regulares ao médico psiquiatra, medicação adequada e psicoterapia.
Roger Brunetto - No Extremo-Oeste, a incidência de pessoas com Transtorno Afetivo Bipolar é elevada?
Jason Silva - Sim. O detalhe é que a maioria não sabe ou não está recebendo tratamento adequado sobre sua doença.
Roger Brunetto - Por falar nisso, o isolamento pode ser uma característica de um bipolar?
Jason Silva - Sim. Há pacientes bipolares que encontram-se na fase depressiva e ainda sofrem de fobia social, síndrome do pânico ou outros diagnósticos que o isolam da família e da sociedade.
Roger Brunetto - E a questão da bipolaridade e drogas lícitas e/ou ilícitas?
Jason Silva - Tem relação direta na grande maioria dos casos.
Roger Brunetto - A família de um bipolar sofre?
Jason Silva - Sofre e bastante. Inclusive em algumas cidades existem grupos de apoio a familiares de pacientes bipolares, para o melhor entendimento e compreensão desta patologia.
Roger Brunetto - A pessoa bipolar, sabendo ou não que é portador da doença, sofre?
Jason Silva - Sofre, pois, como já dito, o paciente tem muitas perdas. Além disso, ele inicia muitos projetos e não dá continuidade. Isso também o torna uma pessoa imprevisível, fazendo com que, mesmo inteligente e brilhante, seja visto com desconfiança. Mas, independentemente da situação, todo paciente bipolar se destaca por suas ideias. O problema é que perde o foco muito rapidamente.
Roger Brunetto - Qual a variação de tempo entre as fases de um bipolar?
Jason Silva - Depende o caso. Existe, inclusive, o Transtorno Bipolar Ciclador Rápido. De manhã está de um jeito e à tarde de outro. Não existe um tempo exato. É aí que entra a questão da medicação. O bipolar procura um profissional na fase depressiva, lhe é receitado um antidepressivo e ele fica bem, quando, na verdade, é um caso de transtorno bipolar de humor.
Roger Brunetto - Em relação a critérios há, por exemplo, exames de imagem do cérebro?
Jason Silva - Ainda não. Nem o próprio exame de lítio é confiável. Não é por que o lítio está baixo que a pessoa é bipolar. Enfim, trata-se de uma das enfermidades mais difíceis de ser diagnosticada, pois é uma doença com características especificas.
Roger Brunetto - Qual é um dos principais sinais que a pessoa é bipolar e não sabe?
Jason Silva - Mudanças constantes de humor, comportamentos estranhos. Outro importante critério é quando incomoda alguém ou sente-se incomodado. A partir disso, é fundamental buscar ajuda psiquiatra.
Roger Brunetto entrevistando o psiquiatra Jason Silva |