-Qual
o objetivo da palestra?
Juiz
Jorge Moreno: Foi
debater sobre as diferentes formas que o Poder Judiciário se manifesta no
Brasil. Além disso, expor o conjunto de interesses que está por de trás desta
estrutura. Também relatar sobre o caso do vereador Marcelino Chiarello, PT, de
Chapecó, que foi encontrado morto, em sua residência, no dia 28 de novembro de
2011, num caso que até hoje não foi esclarecido. Ele se destacava por suas
denúncias fundamentadas em relação a administração anterior daquele município.
-O
que o doutor quer dizer sobre “conjunto de interesses”?
Juiz
Jorge Moreno:
A estrutura do Brasil faz com que para que o Judiciário possa ser composto,
muito embora a base deste Poder seja através de concurso público, mas a
‘cúpula’ do Judiciário é um conjunto de interesses que levam aqueles ministros
– tanto do STF quanto do STJ – ocuparem aqueles cargos que são indicados pelo
Presidente da República, quem aprova é o Senado e quem nomeia é o Presidente da
República. Isso não passa se não tiver um ‘acordo político’. Um exemplo é o
Romero Jucá. Ele era membro da sessão que aprovou o nome de alguém para ser
nomeado para o Supremo. Poucos dias depois o processo dele foi prescrito. Isso
a população tem que saber para que ela não caía nesta ideia generalizada que
não existe justiça no Brasil. Na verdade é uma ‘estrutura viciada’, arcaica,
conservadora, antirrepublicana como acontece, por exemplo, na quantidade imensa
de auxílios aos juízes. Isso tudo passa por esses acordos para que se consiga
vigorar.
-Na
sua avaliação a população é muito carente por esses assuntos?
Juiz
Jorge Moreno: Sim,
é muito carente. Exemplo disso é que, praticamente, na Constituinte o
Judiciário foi um dos únicos capítulos que sequer foi ‘tocado’. Nós temos uma
estrutura que permaneceu da Monarquia até a Constituição de 1988. Foram
pouquíssimas mudanças e, ao mesmo tempo, se tem uma cultura de obediência à
autoridade que faz com que as pessoas não discutam. É muito mais fácil criticar
vereadores e prefeitos do que um juiz. Até por que a maioria dos juízes
utiliza, indevidamente, desse recurso de desacato à autoridade para processar
as pessoas como já aconteceu em vários lugares do país.
-Muitos
afirmam que é no Poder Judiciário que se concentra o maior poder
corporativismo. O senhor concorda?
Juiz
Jorge Moreno: É
claro, pois é um Poder que não tem fiscalização nem controle. A mínima
fiscalização que conseguimos alocar na Constituição foi a de 2004 com o
Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Foi o
último poder da República que teve uma minúscula fiscalização e agora, nos
últimos cinco anos, esse Conselho que pensávamos que daria um ‘certo jeito’
nessa quantidade de mazelas de juízes arbitrários, que não cumprem leis, que
não moram na Comarca, que não trabalham de segunda a sexta, entre outras
arbitrariedades que existem no Judiciário,
este Poder ao invés de fiscalizar agora está começando a reforçar esse sistema,
tamanha é a força corporativista do Judiciário. A ideia era fazer um controlo,
mas que ninguém da corporação fizesse parte dele. Mas não foi o que aconteceu.
A consequência é que Judiciário e Ministério Público se fecham dentro de si e
criam esse clima de que ninguém pode ser punido e é muito difícil fazer isso
numa República, pois numa República as autoridades têm que estar sujeitas a uma
punição mesmo – por descumprir leis e não obedecerem a Constituição.
-Atualmente
o Brasil vive uma das maiores crises política/econômica da história. O pivô de
tudo isso foi justamente um juiz. Qual sua avaliação sobre essa questão?
Juiz
Jorge Moreno: Na verdade, é o seguinte: vivenciamos uma
divisão social muito profunda e grave no país. Isso é um resquício muito forte
da escravidão e da desigualdade social. Essas desigualdades regionais são muito
profundas em nosso país. Então quando você tem o mínimo de ganhos numa
sociedade, quando você tem um mínimo de ascensão de qualquer setor dos
desfavorecidos ou excluídos ou quando se tem a mínima garantia de direitos, as
soluções que se encontram no Brasil são de força e de intervenção no nosso
sistema constitucional e democrático. Isso ocorreu ao longo da República, mas
de forma mais precisa em 1964. Se tivessem feitas as reformas propostas naquele
ano, certamente teríamos outro país. Eram, entre outras, reformas urbana e
universitária. Também estava a reforma agrária – que todo país capitalista
sempre fez, pois a reforma agrária não é uma demanda de uma país socialista. A
reforma agrária é uma demanda de um país capitalista. Todos, incluindo os
Estados Unidos, fez. Infelizmente, porém, aqui no Brasil criou-se uma ideia
muito forte que culminou com o rompimento com a institucionalidade. Importante
salientar que quem rompeu com a institucionalidade ficou desgastado que, no
caso, foram os militares. Então eles tiveram que encontrar dentro da estrutura
do Estado brasileiro outro Poder que assumisse isso e que assumiu foi o
Judiciário. E, obviamente, dentro da estrutura do Judiciário você tem que
procurar quem assume esse ônus e quem assumiu foi essa turma de Curitiba que é
uma quantidade significativa de arbitrariedades, ilegalidades, mas o que está
em jogo é para onde o Brasil vai caminhar. E o resultado é que estamos numa
encruzilhada terrível por que há uma situação social agravante, pois há uma
quantidade imensa de pessoas desempregadas. Estão desestruturando o país,
vendendo as empresas, desfazendo uma quantidade enorme de direitos sociais. O
Temer não interviu somente no mandato dele, ele interviu para 20 anos que
afetará, principalmente, as questões sociais que deriva outras graves
consequências como, por exemplo, a violência, já que a tendência é aumentar.
Haverá uma imensidão de desempregados e, com isso, certamente, o Judiciário
sairá desgastado deste processo, como ocorreu com os militares. A sociedade
brasileira vai se deparar com isso e terá que discutir seriamente que tipo de
Judiciário que se quer, pois o Judiciário que aí está não garante o direito do
cidadão.
-O
que o senhor espera das pessoas que participam de suas palestras?
Juiz
Jorge Moreno:
A primeira coisa que a gente tem que acreditar é que hoje a informação tem que
ser democratizada. Essa é a grande esperança. É a ideia que estamos propondo.
Não é uma ideia fechada, a verdade absoluta, mas oportunizar discussões e
questionamentos. O segundo ponto é que vamos ter momentos específicos em nosso
país, momentos eleitorais, momentos de formular políticas públicas, momentos de
participações mais intensas. Acredito que o povo terá uma participação mais
intensa, mesmo que não tenha um conhecimento de forma mais aprofundada, no
entanto a população tem consciência da gravidade. A população sabe que todos os
dias há pessoas presas na comunidade dele e que por onde passa tem direitos que
são violados. E que o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia não dão
importância quando se trata de uma pessoa pobre. Ou seja: não é somente uma
questão econômica é uma indignidade, pois as pessoas tratam os pobres com muita
violência no Brasil. Não é só a situação de não ter recursos é a violência que
ele recebe na fila do hospital, na delegacia e no distrato que ele tem com
essas autoridades, principalmente com o Poder Judiciário. Por isso eu acredito
que as pessoas terão motivações. A minha função é justamente essa: motivar as
pessoas para participarem no momento que elas forem chamadas.
-Neste
Carnaval, no Rio de Janeiro, houve a intervenção do Exército. Como o doutor
analisa essa questão?
Juiz
Jorge Moreno:
A intervenção do Exército se dá num momento de desgaste de uma concepção de
segurança pública que está comprovado, com exemplo em outros países, que não dá
resultado. Não se resolve o problema das drogas desse jeito. Não se resolve os
problemas sociais com violência – isso está mais do que claro. A intervenção do
Exército cumpre um papel específico. O Exército está intervindo por conta da
grande briga que está existindo entre uma corporação que é a Polícia Militar
com os traficantes. Isso foi revelado pelo ministro da Justiça. Não sou eu que
estou dizendo. O ministro da Justiça deixou isso bem claro que os pontos de
droga no Rio de Janeiro estão sendo objeto de briga entre os traficantes e os policiais.
É que os policiais recebiam pagamento dos traficantes para acobertar o tráfico
e os traficantes deixaram de pagar. Então os policiais começaram a fiscalizar
os pontos de tráfico. Foi isso que gerou esse momento específico da violência.
O próprio general, responsável pela operação, afirmou que para resolver esse
problema só tem um jeito que é tirar todo mundo da Polícia, pois ela está
praticamente tomada por esse tipo de situação criminosa. E isso só acontece por
causa dessa concepção de segurança pública que é o mesmo que aconteceu no
México, na Colômbia e, inclusive, nos Estados Unidos que você não combate o
tráfico desta forma. É preciso criar uma política pública específica que também
resolva questões sociais, aliando um conjunto de atores capazes de resolver
problemas para não se acumularem. Isso
que ocorreu no Rio de Janeiro, no meu entender, também teve um cunho político
que foi o do presidente Temer querer passar à população de que a intervenção
militar é uma boa ideia.
-Nas
últimas eleições presidenciais, o Brasil vivenciou um espécie de ‘guerra civil
virtual’, por meio de manifestações em redes sociais. O que o senhor espera
para este ano, já que a situação atual política/econômica é delicada?
Juiz
Jorge Moreno: Na minha visão,
a eleição deste ano será muito violenta. Não se limitará as manifestações em
redes sociais. Acredito piamente que haverá violência física. Primeiro por que
a disputa nos grupos locais está muito acirrada. Há oligarquias que foram
retiradas que querem voltar e outras que permanecem. Isso se acirrou no Brasil nos últimos anos
por que não conseguiram elaborar uma reforma política. Cada eleição há um tipo
de legislação eleitoral. A que vamos ter agora nada tem a ver com a eleição
passada. Isso vai gerar um problema sério, pois, além da disputa política,
voltaremos a ter financiamento privado. Outra situação é que os candidatos
terão acesso a recursos públicos de forma absurda. Mas o mais preocupante é
que, na minha previsão, chegaremos na eleição com 25 milhões de brasileiros
desempregados. A concentração dessa elevada quantidade de pessoas sem emprego
vai ocorrer justamente nas regiões onde, nas eleições passadas, houve as maiores ‘guerras virtuais’, que são as
regiões Sul, Sudeste e parte da Centro Oeste. O resultado será um caos.