18 de junho de 2013

A IDADE MAIS BACANA DE NAMORAR

Marcos Meirelles com a namorada Letícia Vicenzi

DA KARIS, DIRETO DE SAMPA

*Se você olhar para cima, verá que não conseguimos ver as estrelas no céu de São Paulo. Mesmo nas noites sem nuvens, de tempo aberto, o céu aqui invariavelmente mantém aquele severo tom que oscila entre o azul escuro e o preto. Com exceção de algumas nuvens, o céu estava assim ontem, e eram 20h05 quando eu cheguei à Paulista.

Estranhei, sobretudo, aquele silêncio, aquela ausência de baderna, de carros, de buzinas ou cidadãos estressados. Contrariando todos os relatos que eu lera até então acerca das manifestações, o cenário ali era outro. Quase que timidamente, uma menina de descendência oriental caminhava ao lado de quem eu supus ser sua mãe. Seus passos curtos, entretanto, não vacilavam; seu olhar sério observava tudo sem pestanejar. Ela era miúda, e parecia ainda mais frágil atrás de um cartaz feito em cartolina branca, escrito à mão. Diante dela, aquela cartolina parecia imensa, mas eu não consegui identificar se era pelo contraste com sua figura pequena ou pelos dizeres – ‘Se não para a corrupção, a gente para o Brasil! Muda Brasil!’ –, que talvez significassem muito mais do que ela era capaz de compreender na noite de ontem.

Essa menina também carregava flores e, “para não dizer que não falei das flores”, ela não era a única com margaridas e flores de todas as cores nas mãos. Tudo no protesto de ontem me remetia à paz. Não havia polícia, balas de borracha, spray de pimenta. Não havia medo ali. Havia força.

Na época da faculdade eu costumava escrever nos textos das disciplinas de redação que brasileiro é um povo passivo. Tolerante. Que até poderia se revoltar com algumas injustiças, mas que no final do dia é simplesmente um povo resignado. Também já pensei que o povo brasileiro é um povo malandro. Sem vergonha. Safado. Que adora tirar vantagem e não muda de vida exatamente por causa disso, dessa mania infeliz em tentar crescer da forma mais fácil, mas também mais errada.

Depois de um tempo eu me convenci de que o povo brasileiro é um povo cansado. Um povo que está exausto demais para lutar depois de um dia tão duro, cheio de preocupações e de medos. Aí eu pensava que o povo deveria ser resignado exatamente virtude disso, pela ausência de forças para lutar, e que a conveniência não existia aqui. Era falta de opção.

Então eu percebi que ao falar do povo brasileiro, eu falava também de mim. Que ao julgar o comportamento do povo, eu julgava também o meu. E eu já vivi todos os momentos que descrevi acima. Já fui passiva, resignada. Mas também já fui malandra, espertinha, fiz coisas erradas. E também já estive cansada, muito cansada, para ler aquela notícia no jornal e não me calar diante dela. O mais importante, no entanto, é que eu percebi também que o fato de ter sido todas aquelas coisas um dia não fazia de mim alguém essencialmente tolerante, safado ou exausto.

Que aquelas características não diziam quem eu era todos os dias e, tampouco, dizem quem é o povo. Que essa nossa mania equivocada de taxar as pessoas sob uma perspectiva maniqueísta não nos leva a lugar algum, porque a qualquer momento todos nós podemos mudar, embora ninguém acredite muito nisso. Não até ontem. Agora, eu acho que muita gente pensa diferente.

O dia em São Paulo havia amanhecido com chuviscos e os poucos raios solares que irradiaram no céu não ficaram ali por muito tempo. À noite, porém, não havia o menor sinal de chuva. Era como se até a natureza desse uma permissão silenciosa para que e o estava acontecendo ali. De repente, aquela calmaria que senti ao chegar começou a desaparecer. Um som em uníssono ecoava pelos ares. “Vem pra rua”, diziam eles, e eu comecei a perceber a multidão que se aproximava.

Eu estava sentada ali, como índio, na calçada que separa as duas vias da Avenida Paulista, enquanto 65 mil pessoas passavam por mim. Havia muita gentileza, afinal, eu estava sentada no chão e nenhuma, daquelas milhares de pessoas, esbarrou em mim ou me empurrou. Ninguém sequer me encostou.

Empolgadas, elas gritavam com todo o coração, como se às suas vozes haviam sido afinadas a vida inteira. Muitas tinham apitos, câmeras nas mãos, bandeira do Brasil nas costas. Sorrisos, lágrimas. Inúmeros cartazes que diziam frases abafadas por tanto tempo, e ontem todas elas queriam dizer a mesma coisa, apesar das diferenças. Ao caminharem ao meu redor, muitas me mostravam seus cartazes, orgulhosas. Algumas me perguntavam onde eu tinha conseguido tinta para pintar meu rosto. Outras me perguntavam o que eu estava escrevendo, e me pediam para anotar a frase que estavam gritando. É, porque, apesar de todas as nossas diferenças, ontem um sentimento prevaleceu. Foi uma expressão unânime de vontade, de força e de união.

Vi pessoas de outros países irem às ruas protestar pela nossa nação e não pude deixar de sentir um orgulho imenso ao perceber o respeito que tanta gente sente por nós, quando nós mesmos não temos respeito conosco. Que outras nações conseguiriam comover estrangeiros a pintar a cara e protestar por uma causa que sequer é deles?

Nenhum momento ontem, contudo, foi tão especial como quando a multidão começou a cantar o hino nacional. E se você me disser que existe coisa mais linda do que isto, é porque você não estava lá. Havia tanta paixão naquelas pessoas que por alguns instantes parecia que eu estava dentro de um filme, daqueles que emocionam até o mais sério dos espectadores.

Ainda é cedo, claro, para falar que o Brasil vai mudar. Precisamos reconhecer que a culpa do cenário atual não é exclusivamente do PT, pois há corrupção em todos os partidos políticos e a reforma não vai acontecer apenas trocando um pelo outro. O fato é que pela primeira vez muita gente começou a acreditar - e aqui está a principal diferença -. Quanto mais acreditarmos e lutarmos por uma nação que mereça o título de “Pátria Amada”, mais perto vamos chegar de não apenas começar, mas concluir estas mudanças.

Eu demorei muito tempo para perceber que estava com frio e que as minhas pernas doíam muito depois de tanto tempo sentada. E o que eu queria dizer aqui é que eu senti um orgulho quase imensurável das pessoas que eu vi caminhando ontem. Manifestantes, é uma honra dividir essa cidade com vocês.


Se você olhar para cima, você vai perceber que em São Paulo não conseguimos ver as estrelas. Se você olhar para o lado, entretanto você irá notar que o poder de iluminar e transformar nosso planeta em um lugar mais bonito reside em uma força muito, muito mais próxima do que o céu. #vemprarua #mudabrasil.
*Da migueloestina e jornalista Karis Regina Brunetto Cozer, que atualmente mora em São Paulo (capital), e está fazendo um ‘Master Of Business Administration’ (MBA) em Marketing, na Univali, em Balneário Camboriú, além de um curso de extensão sobre métricas de Marketing na Escola Superior de Programa e Marketing (ESPM), na capital paulista