Ela tinha consciência de sua beleza, porém desconhecia sua limitada inteligência. Era bancada por abastados. Mantinha a forma para agradá-los em seus desejos mais macabros. Aceitava a brutalidade como um beijo. Acostumara-se. O que valia era o dinheiro e os mimos. Para ela, ambição e excitação eram sinônimos. A libido era estimulada com o que poderia adquirir com os ganhos dos amantes e dos programas. Era insaciável.
Pose para posses e posses para poses em colunas sociais que a habilitavam a participar em reuniões de madames assistencialistas que a condenavam, mas, reservadas as devidas proporções, faziam pior com seus maridos.
Desapontada ficava quando o flerte com um bonvivant não vingava. Mas a decepção era curta, pois sabia que para conseguir mais um amante era questão de tempo, de mais alguns olhares maliciosos. A dedo escolhia com quem queria mostrar suas especialidades em ‘orgias’.
Num calor atípico para aquele inverno, num hotel, notou um homem que a desnorteou. Foi, na verdade, nocauteada pela verdadeira paixão e pelo amor (o qual nunca sentira). De trajes e hábitos simples, aquele ‘quarentão’ nem a notou. Em sua eloqüência, confiante em suas curvas, ela o encarou firmemente. Ele, elegantemente, apenas perguntou: Algum problema? Ela, beirando a inelegância, disse que tinha que falar com urgência com ele. Qual o assunto?, indagou o sujeito magro de cabelos pretos e olhos claros. Desprevenida, argumentou que previa maus agouros e tinha de alertá-lo. ‘Não acredito nessas coisas. Mesmo assim obrigado por sua preocupação’, respondeu. ‘Por favor, eu lhe imploro’, apelou, com parte dos fartos seios - fruto do silicone - quase à amostra. ‘Perdoe-me, mas estou atrasado’, esquivou-se o homem que, em questão de segundos, foi literalmente agarrado por ela. A cena, inusitada, chamou a atenção até do porteiro.
Ela, num ato que misturava atrevimento e coragem, apelou: ‘Vamos ao meu apartamento’. O desespero do momento fez com que seus olhos ficassem marejados. Isso comoveu o sujeito de roupas simples, porém limpas e bem passadas. Subiram. As insinuações já começaram no elevador. Fechada a porta, em questão de segundos, ficou seminua para surpresa do visitante. ‘Possua-me. Quero ser sua. Você é diferente’, sussurrou. “Quase isso. Na verdade, sou indiferente a mulheres do seu tipo’, disparou. E também disparou da vida dela. A partir daquele dia, ela desvalorizou o dinheiro. Chorou. Ingeriu tranqüilizantes. Largou tudo. Voltou a morar com os pais, na modesta casa de um bairro.
A depressão aproveitou as frestas de sua frustração para entrar em cena. Sentia-se patética. Impotente. Carente. Dormia muito. Comia pouco. Sua exuberante beleza de outrora se limitou a alguns quilos que fizeram com que aceitasse ir ao médico que, depois do diagnóstico, recomendou um psiquiatra. Devido a seu estado debilitado a internação foi necessária. A ambulância foi chamada e com ela o golpe fatal. O motorista do veículo era o homem simples do hotel, de salário modesto, pai de dois filhos que estudavam em uma escola pública. E que também era apaixonado pela esposa de trajes singelos e unhas mal feitas, devido ao trabalho de faxineira. Ele a amava. A residência da família era simples, de madeira, localizada em uma rua desprovida de calçamento. Para o condutor da ambulância, nada disso era relevante. O que importava era o verdadeiro amor que nutria pela mulher e pelos filhos. Por isso era feliz.
Ele não a reconheceu. Ela sim. E junto percebeu o que fizera de sua vida. Seu sistema imunológico estava fragilizado. Sua alma mais ainda. Queria morrer. Muitos meses, sessões psiquiátricas e remédios depois teve alta hospitalar. Hoje vive enclausurada em seu pequeno quarto. Sai apenas uma vez por semana para ir à igreja. Apegou-se a uma religião. A solidão é sua companhia. Sua libido acabou aos 36 anos de idade.