30 de novembro de 2018

TIRÉSIAS, O SELETIVO (da série vale a pena ler de novo, publicada em 2013)


         Dutra; Ilustre, o Cafajeste; Delégio, o Colono Forte de Ernestina; e Tirésias, o Seletivo, são meus grandes amigos de Carazinho.

         Há tempos que Tirésias está à procura de uma namorada. Mulheres não faltam, admite. Porém, ele não compreende que perfeição não existe como, também, por mais que o aconselhamos, não conseguirá encontrar uma como ele idealizou. E o pior é que ele constantemente muda de ideias. Sem contar sua impulsividade. Extremamente temperamental, já experimentou todos os antidepressivo disponíveis para se livrar deste ‘carma’, como denomina, que se acentua a cada ano.

         “Você precisa de uma namorada”, sempre dissemos. “Sim, é verdade, mas está complicado”, lamenta-se. “O problema é a sua exigência”, retrucamos, acrescentando que ele é muito seletivo e não está com tanta moral para escolher. “Além disso, seu extrato bancário é comum”, alfineta Ilustre, o Cafajeste.

         De fato, apesar de ter uma conversa agradável e primor no vestir, além de não beber nem fumar e, muito menos, fazer uso de drogas ilícitas, Tirésias parece não ‘querer enxergar’ a realidade. E não se ajuda. É do tipo que exige sem oferecer. Chega ao absurdo de se gabar quando alguém fala mal dele. Mesmo assim têm muitas amizades, mas só conversa com quem simpatiza. Não há papas em sua língua quando menciona seus desafetos ou nos constantes desentendimentos que se envolve. Mas foge de baixarias, como bate-bocas ou empurrões, como o diabo da cruz. Sua última briga a socos foi aos 15 anos de idade. Hoje está perto dos 40.  
        
Mas a questão toda é a namorada ideal para o Tirésias. Já teve várias, mas a última relação foi tão desastrosa que  há mais de um ano que, no máximo, fica com uma mulher numa balada, porém sem nada de compromisso. E faz questão de deixar isto explícito antes mesmo do primeiro beijo.  

         Ilustre, O Cafajeste, que já chegou aos 40 e afirma que não casará e não quer saber de filhos, novamente entra em ação e ironiza: “Não se preocupe Tirésias. Seremos companheiros num manicômio”. E Dutra, que diz odiar sua ex-mulher, mas todos sabem que ainda a ama, complementa: “Quando estiverem internados não se esqueçam de me avisar onde fica o hospício”.  
        
Tirésias ignora as brincadeiras e começa a choramingar. “A maioria é nova demais. As de idade condizente com a minha que gostaria de tê-las já são comprometidas e as disponíveis não estão solteiras por acaso”, reclama.    
        
Quando estes e outros assuntos pessoais são abordados eu quase nada falo, mas observo. Ouço. Capto. E aciono que tem certeza: Sim, Tirésias é seletivo, mas também é mais do que apaixonado por uma moça, amiga dele, que, calculo, ser 16 anos mais nova e estuda em outra cidade, mas ele, mesmo assumindo,  quando questionado quem  é ela, responderia cantarolando o refrão de uma clássica canção do saudoso Nelson Gonçalves: “De quem eu gosto nem às paredes confesso”.