No quarto, sentado na cama, alterna
goles de uísque e solidão. Sempre há, ainda, comprimidos calmantes e estimulantes.
Não fuma nem curte drogas ilícitas. Trabalha até às 16h – inicia às 10h. Mora
sozinho.
Sua noite começa, no máximo, às 16h30.
As compras para a semana são realizadas aos sábados, no final da manhã, pois
neste dia a ‘jornada noturna’ inicia antes já que o seguinte é domingo. Quase
sempre aí pelas 10h30. E a estende, no mínimo, por 24 horas ininterruptas. O máximo que chegou foi a 50 horas - num
feriadão. Sempre só. Não tem filhos. Nunca casou.
Quando convidado, é criativo nas
desculpas para não comparecer a eventos. Ou, simplesmente, não vai. E não se
justifica. Justamente para não lhe
chamarem mais.
Gosta de sexo e, quando esta a fim,
contrata alguma garota de programa. Sempre paga à vista. Nunca pede desconto.
Mas tudo não passa de, no máximo, uma hora e meia. Quando uma delas se insinua ficar mais tempo,
mesmo não cobrando hora extra, ele inventa uma desculpa qualquer e pede para que
se retire. Mesmo com aquelas que prometem imitar estátuas. Prefere ficar
sozinho.
Não é grosseiro. É estranho. É Indiferente.
É dissocial. Nunca demostrou
qualquer tipo de agressividade verbal e, principalmente, física.
Numa demonstração de ‘sanidade mental
parcial’, fica irritado quando a insônia não o visita. Lá fora, não raras
vezes, o sol já brilha, mas sua noite continua. Em alguns dias da semana chegam
a se estender até às 08h45 quando, depois do demorado banho e ingestão de um
punhado de anfetaminas, começa a se preparar para o trabalho.
Se sua vida desregrada não o matar antes, pretende viver até os 70 anos. Preocupa-se quando, repentinamente,
lembra que pode ir além das sete décadas. O motivo é que sabe que terá sérios
problemas de saúde. Enfrentaria uma velhice sofrida. E precisaria de ajuda.
Evita a todo custo pensar nessa possibilidade.
A cada seis meses faz todos os exames. Por incrível que pareça, tudo em ordem. No máximo pequenas alterações. Nada que não pode ser revertido
com algum remédio. Uma vez por ano vai ao dentista. Seus dentes sempre estão
bem. Ao contrário do seu físico. Magro.
Um rosto pálido. Sem vida. A aparência piora quando deixa aflorar a barba.
Não combinam com suas roupas. Sempre
limpas e bem passadas. Sapatos lustros. Um minúsculo furo em uma meia,
praticamente imperceptível, é motivo para descartá-la. Aprecia roupas de grife.
Do calçado a touca. Esse gosto já foi
maior quando tinha mais tempo e dinheiro para comprá-las. Mas as noites
solitárias são custosas e abstraem boa parte da sua remuneração.
Sabe que tem problemas. Por muito tempo
fez terapias que foram infrutíferas, porque não seguia as recomendações das
psicólogas. Também é negligente quanto às medicações prescritas pelo psiquiatra
o qual, mensalmente, mantém uma consulta ‘mecânica’, pois não segue as recomendações.
Limita-se a lamentar de algo e pegar as receitas.
Acredita em Deus e nas leis Dele.
Acredita em vida após morte. Acredita que quem tem fé consegue tudo o que
quiser. Acredita na cura. Acredita em disco-voadores. Acredita existir
alienígenas. Acredita haver milhares de outros planetas habitados. Acredita em
muito mais. Talvez não acredite nele. Não disse – pois não sabe – o que veio
fazer nesta existência. Cumpre as regras. Respeita todos. Não incomoda e não é
incomodado. Trabalha. Lê jornais, revistas e livros.
É do bem. Abomina assassinatos. Votou a
favor do desarmamento, no referendo de 2005. Nunca pensou em matar alguém.
Sequer, em toda sua vida, abreviou a vida de um passarinho. É contra qualquer
tipo de violência. Também jamais passou pela sua cabeça se suicidar. Porém, na
vida, apenas cumpre tabela. Ou ocupa um precioso lugar que, a cada dia,
desperdiça. E ele não é o único.