9 de agosto de 2016

Apenas um véu transparente cobre o corpo da personagem desta história que entrevistamos para esta reportagem. Ela se insinua. Convida-me para conversar e tomar algo. Explico minha intenção de fazer uma reportagem contando como é a sua vida. Ela reluta.

Após muita insistência, concorda, porém impõe condições: não identificar seu nome, o local onde trabalha e nada de fotos, nem de costas. Antes da entrevista, vai ao quarto e veste-se apropriadamente.

Seus olhos verdes contrastam com os cabelos negros e pele morena clara. Tem o corpo bem torneado. “Sou uma das mais requisitadas”, gaba-se. Perto dali, um ‘leão de chácara’ nos olha com desconfiança. “É o nosso segurança”, diz a moça de 25 anos.

O início
A moça conta que começou nessa vida há oito anos. Filha de pai alcoólatra diz que viver em casa era um tormento. Aos 17 anos decidiu sair da comunidade, no interior, e tentar a sorte na cidade. O dinheiro que tinha mal dava para pagar duas estadias no hotel. Procurou emprego incansavelmente. Não conseguiu. O dinheiro acabou e a dúvida invadiu a sua cabeça: voltar para casa ou partir para o mundo da prostituição como fez uma amiga. Decidiu pela segunda opção para arriscar e ‘ver como era’. Em duas semanas, ganhou mais dinheiro que em toda sua vida.

Entusiasmou-se. Três meses depois retornou à propriedade que morava para visitar os pais e um irmão. Propôs a mãe que fosse morar na cidade para livrar-se das constantes surras do marido. Disse que pagava o aluguel e a mãe poderia trabalhar de doméstica. “Ela chegou a aceitar, porém quando lhe contei o que fazia me xingou e disse que não era mais sua filha”, lembra, com os olhos marejados.

Só lhe restou voltar ao trabalho. Depois do oito meses as coisas começaram a mudar. A parte do dinheiro para a cafetina passou a ser maior. Os problemas começaram a surgir. “No início a gente nem nota, mas com o passar do tempo sentimos na pele o que é manter relações sexuais com quem não temos afinidade e beber – para dar lucro à dona da casa – sem ter vontade. Além disso, muitos homens são agressivos. Tudo bem que eles pagam, mas às vezes são violentos, puxam nosso cabelo, nos dão bofetadas e exigem coisas que prefiro nem comentar”, revela ela sobre uma realidade nada glamorosa da atividade.

Maioria dos “clientes” não usa preservativos
E os clientes?, questiono. “A maioria é homem casado”, responde. Pergunto, então, se ela toma os cuidados para não engravidar ou contrair doenças venéreas. Ela diz que toma injeção anticoncepcional a cada três meses. 

O problema está no uso de preservativos. De cada dez homens, sete não querem usar a camisinha. “Se eu não faço, outra faz”, lamenta. Informa que a cada três meses faz os exames regulares e, por enquanto, não tem nenhuma doença. “Sempre peço a Deus para não pegar AIDS”, enfatiza.

Futuro
Quando indagada sobre o futuro ela desconversa, mas, sem querer, deixa escapar que seu sonho é conhecer um homem que a tire dali. Depois, no entanto, sorri e afirma que estava brincando.

Então, indago novamente: e quando envelhecer o que fará da vida? “Não sei e não quero falar sobre isso”, diz, ríspida.

Conforme nossa fonte, os dias de maiores movimentos são as sextas e sábados à noite. Alguns homens são fregueses assíduos, outros aparecem esporadicamente. Às vezes há desentendimento entre as mulheres da casa.

Entre os fatos pitorescos, ela relembra uma vez que a esposa veio atrás do marido e o flagrou com uma colega. “Voaram copos e garrafas”, recorda, sorrindo. “O mais engraçado é que ele xingou a esposa e defendeu a garota de programa”. E completa: “depois de duas semanas o homem voltou a nos visitar, mas de lá para cá a esposa nunca mais o seguiu”.

Preconceito
A folga da garota de programa é na segunda-feira. Ela vai à cidade fazer compras e é aí que sente o preconceito. “É difícil de explicar, mas as vendedoras e lojistas sabem, ou pelo menos desconfiam, quem somos. Atendem-nos com desdém e o pagamento sempre tem que ser à vista”. Sobre as roupas que usam no trabalho, ela afirma que isso é de praxe. “Precisamos chamar a atenção”.

Valores cobrados
Em relação aos valores cobrados diz que varia de R$ 120 a R$ 150 por 40 minutos. Evita falar quanto, em média, sobra-lhe líquido por mês. Apenas salienta que dá para viver. “A maior parte do dinheiro vai para a dona da casa”, complementa.

Pergunto, também, se ela é feliz. Ela olha para baixo e resmunga: acho que sou. Não sei. É difícil responder.


Comenta, ainda, que reza todos os dias, mas confessa que não tem fé. “Tenho vontade de mudar de vida, mas como?”, indaga para si mesma. “Por enquanto vamos levando”, diz, desculpando-se que não pode ficar mais tempo. Neste instante, percebemos que chega um homem de cabelos grisalhos e, pela troca de olhares, percebe-se que trata ser um de seus ‘fregueses’.