2 de outubro de 2014

O FIM DA LIBIDO

Ela tinha consciência de sua beleza, porém desconhecia sua limitada inteligência. Era bancada por abastados. Mantinha a forma para agradá-los em seus desejos mais libidinosos. Aceitava a brutalidade como um beijo. Acostumara-se. O que valia era o dinheiro e os mimos. Para ela, ambição e excitação eram sinônimos. A libido era estimulada com o que poderia adquirir com os ganhos dos amantes e programas.

Pose para posses e posses para poses em colunas sociais que a habilitavam a participar em reuniões de madames assistencialistas que a condenavam, mas, algumas, reservadas as devidas proporções, às escondidas, faziam pior com seus maridos.

Desapontada ficava quando o flerte com um bon vivant não vingava. Mas a decepção era momentânea. Sabia que para conseguir mais um amante era questão de tempo. De mais alguns olhares maliciosos. Escolhia a dedo com quem queria mostrar suas ‘habilidades’.

Num calor atípico para aquele inverno, num hotel, notou um homem que a desnorteou. Foi, na verdade, nocauteada pela verdadeira paixão e pelo amor (o qual nunca sentira).

De trajes e hábitos simples, aquele ‘quarentão’ nem a notou. Confiante em suas curvas, ela o encarou firmemente. Ele, elegantemente, apenas perguntou: Algum problema? Ela, beirando a delinquência, disse que tinha que falar com ele. Com urgência. Qual o assunto?, indagou o sujeito magro de cabelos pretos e olhos claros. Desprevenida, argumentou que previa maus agouros e tinha de alertá-lo. “Não acredito nessas coisas. Mesmo assim obrigado por sua preocupação”, respondeu. “Por favor, eu lhe imploro”, apelou com parte dos fartos seios - fruto do silicone - à amostra. “Perdoe-me, mas estou atrasado”, esquivou-se o homem que, em questão de segundos, foi literalmente agarrado pela ‘beldade’. A cena, inusitada, chamou a atenção até do porteiro.

Ela, num ato que misturava atrevimento e coragem, apelou: “Vamos ao meu apartamento”. O desespero do momento fez com que seus olhos marejassem. Isso comoveu o sujeito de roupas simples, porém limpas e bem passadas. Subiram. As insinuações já começaram no elevador. Fechada à porta, em questão de segundos, ficou seminua para surpresa do visitante. “Possua-me. Quero ser sua. Você é diferente”, sussurrou. “Não sou diferente. Ao contrário: Sou indiferente a mulheres do seu tipo”, disparou. E também disparou da vida dela.

A partir daquele dia, ela desvalorizou o dinheiro. Chorou. Começou a ingerir benzoadipínicos. Largou tudo. Voltou a morar com os pais na modesta casa do bairro. A depressão aproveitou as frestas de sua frustração para entrar em cena.

Sentia-se patética. Impotente. Carente. Dormia muito. Comia pouco. Sua exuberante beleza de outrora se limitou a alguns quilos que fizeram com que aceitasse ir ao médico que, depois do diagnóstico, recomendou um psiquiatra. Devido a seu estado debilitado a internação foi necessária. A ambulância foi chamada e com ela o golpe fatal. O motorista do veículo era o homem simples do hotel. De salário acanhado. Pai dedicado de dois filhos que estudavam em uma escola pública e extremamente apaixonado e fiel pela esposa de trajes singelos e unhas mal feitas, devido ao trabalho de faxineira. Ele a amava. A residência da família era humilde. De madeira. Localizada em uma rua desprovida de calçamento. Para o condutor da viatura isso era irrelevante. O que importava era o verdadeiro amor que nutria pela esposa e filhos - que era reciproco -. Por isso era feliz.

Ele não a reconheceu. Ela sim. E junto percebeu o que fizera de sua vida. Seu sistema imunológico estava fragilizado. Sua alma mais ainda. Queria morrer. Muitos meses, terapias e remédios depois teve alta hospitalar.

Hoje vive enclausurada em seu minúsculo quarto. Sai apenas uma vez por semana para ir à igreja. Apegou-se a uma religião. A solidão é sua companhia. Sua libido acabou aos 35 anos de idade.